O BOSQUE
 
de David Mamet
direção Alvise Camozzi
com Bruno Kott e Cristine Perón

CCBB São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília 2011

concepção e produção Substância Produções Artísticas
“O Bosque” é um texto teatral inédito no Brasil, escrito nos anos setenta pelo norte-americano David Mamet.
A peça tem como protagonistas Nick e Ruth, um  jovem casal que atravessa, em uma noite, o ápice e a ruptura de uma relação recente e profunda, que desencadeia descobertas e revelações estarrecedoras.
O bosque que dá título à peça remete ao ambiente da ação – a  velha casa de campo da família de Nick, longe da cidade, circundada por uma natureza sedutora e  inquietante, à beira de um lago – e é também metáfora para o vertiginoso percurso interno das personagens.
Mergulhados naquele ambiente de silêncio e isolamento, denso e sombrio, aproximam-se um do outro e das próprias memórias e de fatos que evitaram, até então, encarar. À medida em que desmoronam suas expectativas mais fantasiosas, um quanto ao outro, e cada um quanto ao mundo e ao futuro, se entregam e revelam mutuamente os segredos e temores mais íntimos, incapazes de evitar o precoce desenlace do relacionamento. O enredo da peça se constroi através de um longo e ágil diálogo entre os dois protagonistas, desenhando uma rede de símbolos e metáforas, evocados no espaço e nas referências à natureza circunstante.
 
 
Folha de São Paulo  
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
 
Ótima direção atualiza fábula de "O Bosque"
 
Texto de David Mamet ganha jogo de contrastes com recursos inventivos e atinge uma densidade poética rara
 
A MONTAGEM DE ALVISE CAMOZZI, EM DIÁLOGO COM PROPOSTAS CÊNICAS MAIS RADICAIS, REALÇA OS NÃO DITOS
LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA
 
O teatro e os medos primitivos. "O Bosque", encenação de Alvise Camozzi de um texto antigo de David Mamet, explora o impacto de tudo o que é obscuro e desconhecido sobre a imaginação humana.
Encenada pela primeira vez em 1977, pelo próprio dramaturgo norte-americano, a peça situa um jovem casal experimentando a solidão de uma casa de campo em três momentos: à tardinha, à noite e ao amanhecer.
O tom naturalista dos diálogos de Mamet, um especialista em esconder o ouro sob o coloquialismo das falas, autorizaria uma cena realista sem grandes surpresas.
A montagem, no entanto, em diálogo com propostas cênicas mais radicais, realça os não ditos e as dimensões invisíveis daquela relação.
Assim, mesmo operando na contramão do naturalismo, evidencia as virtudes menos notadas da dramaturgia.
Para isso, o diretor conta com o talento dos atores Bruno Kot e Cristine Perón. Ele é o dono da casa, na qual passou férias na infância e na juventude. Ela interpreta a namorada que visita o lugar pela primeira vez e desbrava seus segredos.
CONTRASTES
É exatamente porque eles sustentam uma interpretação hipernatural, com um mínimo de afetação, que o contraste entre as falas e as cenas em que transcorrem se potencializa. Faz parte desse jogo de contrários um desenho de luzparticularmente inspirado de Guilherme Bonfanti.
É ele quem delimita os nichos em que a conversa se desenvolve. Primeiro num lusco-fusco vespertino e harmonioso. Depois na fria luminosidade da noite alta e ameaçadora. Finalmente na pálida e reconciliada aurora. Destaque-se que esses efeitos são obtidos com recursos inventivos e não convencionais.
A cenografia de William Zarella Jr. também é decisiva para o efeito geral.
Ao evitar elementos figurativos e constituir planos de atuação indefinidos, contém os corpos na espessura de uma escuridão crescente.
Ao mesmo tempo, volumes informes desproporcionais ocupam uma metade do palco, em contraste com o vazio de referências que permanece na outra metade.
Com todas essas oposições caprichosamente construídas, o espetáculo atinge uma densidade poética rara.
Remetendo o texto de Mamet ao universo das florestas escuras dos temores infantis, a direção de Camozzi atualiza um drama esquecido e universaliza sua fábula, tornando-a emblemática de nossas névoas contemporâneas.
O BOSQUE
AVALIAÇÃO ótimo
A Idade das paixões tristes
Alvise Camozzi

Peço emprestado ao filósofo e psicólogo franco-argentino Miguel Benasayag esta definição sobre nossos tempos, que dá título a esta apresentação, para desenhar a paisagem emotiva dentro da qual afunda, obscuro e frondoso, nosso “Bosque”. Por sua vez, a expressão é de Espinoza, mas Benasayag a usa pra explanar e entender a crise antropológica que estamos vivendo, nós todos, e pela qual os jovens são os mais afetados.
“A idade das paixões tristes” se define na impossibilidade, por parte das jovens gerações, de ação, intervenção e mutação frente à complexidade do mundo contemporâneo, pelo sentimento de inadequação em habitar uma sociedade que exige uma existência de alta performance, eficiente e técnica, onde a tecnè tornou-se, no inconsciente coletivo o fim das nossas ações e não mais um meio para agir, como nos ensina o filósofo Umberto Galimberti. Nessa “gaiola de aço”, na definição de Benasayag, onde o dinheiro é o novo gerador simbólico de valores, a questão do tempo é fundamental. O tempo cíclico ou o tempo escatológico, sacro, se anulam no tempo projetual, que é o tempo do trabalho, das realizações, do sucesso, o futuro é próximo, o passado é recente, o presente deve ser contínuo.
Esse deslocamento da percepção do tempo é presente tanto nos nossos últimos trabalhos, como “Só” e “Babel”, quanto em “O Bosque” e, aqui dentro, tornou-se engrenagem fundamental. Não somente porque “O Bosque” pode ser interpretado como um sombrio conto de fadas e, como nos sonhos, é frágil o princípio de não contradição, de casualidade, instável a categoria de temporalidade, mas também porque “O Bosque” de Mamet é um texto que tem quase quarenta anos, mas não os aparenta. De um lado, porque a escrita rápida e hiperrealista continua verossímil, de outro, porque a carga simbólica que manifesta é ainda comunicativa e relevante. Mas o mundo que os dois jovens protagonistas deixam fora do Bosque mudou sim, radicalmente, e o epílogo de promessas, que o autor tinha escrito na década de setenta, reapresentado nessa nossa Idade das Paixões Tristes, talvez, se revele em seu avesso.

 
O BOSQUE
 de David Mamet
direção Alvise Camozzi

com Bruno Kott e Cristine Perón
cenografia William Zarella Jr.
iluminação Guilherme Bonfanti
música Daniel Maia
figurinos Marina Reis
tradução Roberto Alvim e Júlia Novaes
produção executiva Olivia Maia Barcellos
direção de produção Rachel Brumana
 
concepção e produção Substância Produções Artísticas
 
Realização Centro Cultural Banco do Brasil
Apoio Lei Federal de Incentivo à Cultura – Ministério da Cultura
O BOSQUE
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